Por: Andréa Pinheiro – Professora de inglês/ português/literaturas

(“A Parábola dos Cegos” de Pieter Bruegel )

“Diz-se a um cego, estás livre, abre-se- lhe a porta que o separava do mundo, vai, estás livre, tornamos a dizer-lhe, e ele não vai, ali ficou parado no meio da rua, ele e os outros, estão assustados, não sabem para onde ir, é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é, por definição, um manicômio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostrar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá chegar.” (José Saramago).·.

Curiosamente, as doenças oculares (estrabismo, catarata, cegueira, dentre outros) tem ocupado lugar de destaque nas artes. Por que será? José Saramago retrata muito bem essa dita cegueira em seu filme “Ensaio sobre a Cegueira” e o pintor Pieter Bruegel conhecido como “O Velho”, é o responsável pela notável “A Parábola dos Cegos”, na qual se vê cegos de mãos dadas, numa fila, tateando com bengalas no caminho a percorrer. O quadro que vemos acima faz referência ao Evangelho de Mateus, 15:14, que diz: “Não se preocupem com eles, são guias cegos. E quando um cego guia o outro, os dois acabam caindo no buraco”.

As novas tecnologias da contemporaneidade nos têm colocado frente à aceleração das mudanças, lançando-nos nas incertezas do futuro, e tentamos frustradamente antecipá-lo como se ao usá-las estivéssemos inseridos no contexto futurístico, na necessidade de nos sentirmos parte desse futuro de fato. A civilização então, fascinada por tais tecnologias, decide mergulhar nos cenários virtuais a procura de novas amizades, aceitação social, aprovação de ideias, num apelo constante de criação de laços com pessoas estranhas, onde não há troca de olhares, mas apenas a palavra escrita, alguns vídeos que não expressam de maneira alguma a subjetividade do ser humano, deixando de lado “o falar” de seus problemas, “o refletir”, e “o explorar ideias”. Fala-se sim, bem é verdade, em forma da catarse (desabafo desenfreado), onde o único retorno são lamentações de mesmo cunho, sem conteúdos que venham a dirimir quaisquer dúvidas ou auxiliar esses indivíduos nas suas fracassadas tentativas de terapia coletiva. Faz-se valer a tela acima de Pieter Bruegel e a passagem bíblica de Mateus, 15:14, que diz: …E quando um cego guia o outro, os dois acabam caindo no buraco”.

O homem contemporâneo enveredou-se de tal forma nesse labirinto dito como “racional”, que mal se dá conta de sua cegueira psíquica entrando num frenesi de histeria coletiva onde um fala “mata” e o outro diz “esfola”, o outro diz “coitadinho” e o outro em contra partida concorda sem ao menos conhecer o contexto como um todo e apenas parte dele. Nunca se soube tanto da vida do outro como hoje. Há uma necessidade latente em se comentar da vida alheia, julgar e condenar. O que se come, o que se faz a cada hora do dia; os temas mais complexos (como morte e doenças), aos mais corriqueiros (como o que se comeu hoje), são lançados nas redes sociais tais como números numa lista telefônica.

Não tenho aqui a pretensão de condenar o uso das redes sociais, de forma alguma, mas que a façamos de forma racional e equilibrada e não como cegos numa cegueira coletiva aonde uns conduzem os outros sem nenhum norte. Façamos então bom uso das novas tecnologias, publicando assuntos relevantes e inteligentes. Que possamos sim dar aos nossos amigos notícias importantes como a doença de um ente querido ou até mesmo de um falecimento, pois afinal de contas as redes sociais facilitam a velocidade das informações e para tal propósito ela se faz extremamente válida. Que possamos sim compartilhar com nossos amigos nossas alegrias, mas com nossos amigos e de forma saudável sem expor nossa intimidade em excesso. O que também há de se tomar cuidado são as pessoas adicionadas ou solicitações de amizade a quem não temos sequer uma referência. Tenho visto jovens se expondo com poses sensuais e textos descompromissados sem quaisquer valores morais (e isso não se trata de falso moralismo nem preconceito). Cabe aos responsáveis orientá-los no sentido do perigo que possam estar incorrendo e desnecessariamente. Um apelo exagerado à vulgaridade, a falta de qualidade de assuntos, uma banalidade preocupante, um desapego àquilo que possa vir a somar, um desinteresse à cultura.

Denise Maurano (professora da UFJF, psicanalista, Dra. Em letras e Dra. em Filosofia pela Universidade de Paris XII, na França) autora do livro “Para Que Serve a Psicanálise” sabiamente diz… “Esse apelo a se ligar aos outros participa obviamente da história da humanidade, mas o que chamo atenção aqui é para o fato de, na contemporaneidade, termos inflacionado essa estratégia. Assim, as pessoas recorrem mais facilmente a alguém ao alcance da mão, ou ao alcance da linha telefônica, do que a um templo religioso para se amparar. Da mesma forma, também não crêem mais nos poderes da racionalidade para encontrarem uma fórmula para melhor viver.” (Denise Maurano).

Dessa forma, reiterando a sábia colocação da autora em questão, concluo meus comentários com a proposta de analisarmos essas exposições de ideias, e que a palavra não volte vazia, mas que venha a acrescentar algo na forma como pensamos comunicação e interação social nos tempos atuais.

Andréa Pinheiro Bonfante

(Professora de Letras pela UNIG, tradudora e intérprete da língua inglesa, pós graduanda em psicopedagogia pela Universidade Estácio de Sá e psicanalista em formação pelo Corpo Freudiano- Barra Mansa –RJ).

Por: Andréa Pinheiro – Professora de inglês/ português/literaturas
Licenciatura plena: 9404222-MEC
Pós graduanda em Psicopedagogia na Universidade Estácio de Sá
Coordenadora Pedagógica
Email:andreapinheiroprof@hotmail.com

1 COMENTÁRIO

  1. Atualmente,como professora de História,percebo que até a palavra civilização tornou-se ‘démodé’diante de um mundo dito evoluído.Quem sabe a proposta,em termos de Brasil ainda com ranço colonial, seja a permanente alienação.Desejo contemplar a autora pelo reflexivo texto e torcendo para que muitos pais também possam lê-lo.

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