Uma recente viagem a 03 renomados museus feita por mim e o Psicólogo Clínico e Psicanalista Charles José , sendo eles o Museu de História Natural da UFRJ localizado na Quinta da Boa Vista, São Cristóvão-RJ; O Museu do Inconsciente no Centro Psiquiátrico Pedro II, hoje Instituto Nise da Silveira em Engenho de Dentro-RJ e o Museu Bispo do Rosário na Colônia Juliano Moreira em Jacarepaguá-RJ, motivou-me a uma profunda reflexão: Encontrei mais lucidez nos ditos “Lugares de Loucos” do que num “Famoso ponto turístico para pessoas ditas normais”. O que pode parecer a princípio uma insanidade ou argumento inconsistente é fácil de ser explicado. Enquanto em meu primeiro dia de visitação ao Museu de História Natural deparei-me com pessoas apressadas, descuidadas com seus olhares e pouco observadoras a respeito do que foram ali buscar, por outro lado nos museus da dita loucura tive o privilégio de encontrar-me com pessoas apaixonadas pelos seus ideais, além de poder observar belíssimas obras de arte que falam da alma com muita propriedade, sinceridade, riqueza e uma expressividade que só o inconsciente seria capaz de produzir.
Imagens do Museu de História Natural da UFRJ- Múmias, animais pré-históricos e a história da humanidade   Imagens do Museu de História Natural da UFRJ- Múmias, animais pré-históricos e a história da humanidade

a_

(Imagens do Museu de História Natural da UFRJ- Múmias, animais pré-históricos e a história da humanidade).

Imagens da entrada do Hospital Psiquiátrico Pedro II, que hoje recebe o nome da renomada Psiquiatra Nise da Silveira, que deu novo rumo ao trato psiquiátrico e a forma de perceber seus clientes, como a própria os chamava Imagens da entrada do Hospital Psiquiátrico Pedro II, que hoje recebe o nome da renomada Psiquiatra Nise da Silveira, que deu novo rumo ao trato psiquiátrico e a forma de perceber seus clientes, como a própria os chamava

(Imagens da entrada do Hospital Psiquiátrico Pedro II, que hoje recebe o nome da renomada Psiquiatra Nise da Silveira, que deu novo rumo ao trato psiquiátrico e a forma de perceber seus clientes, como a própria os chamava).

Imagens da entrada da Colônia Juliano Moreira e do Museu Bispo do Rosário em Jacarepaguá-RJ. Uma homenagem a um dos seus mais ilustres internos, Arthur Bispo do Rosário

(Imagens da entrada da Colônia Juliano Moreira e do Museu Bispo do Rosário em Jacarepaguá-RJ. Uma homenagem a um dos seus mais ilustres internos, Arthur Bispo do Rosário).

Frente a todas essas questões reitero minha colocação inicial sobre haver sanidade na Psicose e loucura na Neurose, pois se por um lado valendo-se da metáfora paterna, o neurótico encontra subsídios para dar uma significação fálica ao que demanda do outro, para barrar o desejo de Gozo do Outro sem se perceber invadido; o psicótico na falta desta metáfora é invadido a todo tempo por esse Gozo. O neurótico se vale desse Outro como “uma ajuda alheia” para simbolizar o real, esse Outro é “tesouro de significantes” do neurótico, pois sua linguagem se encontra articulada numa cadeia de significantes, onde um sinal num movimento de deslizamento remete a outro sinal dando sentido, dando significado aos significantes. O psicótico, por sua vez precisa valer-se de uma construção delirante para dar conta desta “intrusão”, desse Outro que Goza, que teima em invadir. Se o psicótico apresenta uma recusa desse Outro, como pode então ter acesso ao tesouro dos significantes ao qual Lacan se refere para simbolizar o seu real? O que se observa em ambas as instituições anteriormente mencionadas para os ditos loucos, é que esse real só pôde ser simbolizado pela via da arte nas obras dos clientes da Dra. Nise da Silveira e de Arthur Bispo do Rosário, motivado pela “missão” de cunho religioso ao qual atribui todos os seus trabalhos, como podemos observar em seguida.

Algumas das telas dos clientes (pacientes) da Dra. Nise da Silveira expostas no Museu do Inconsciente, Antigo Hospital Psiquiátrico Pedro II.

Algumas das telas dos clientes (pacientes) da Dra. Nise da Silveira expostas no Museu do Inconsciente, Antigo Hospital Psiquiátrico Pedro II. Muitos desses clientes criaram por volta de 3.000 obras no período em que estiveram internados e foram motivados por Nise. Temos aqui as obras de dois de seus pacientes que mais produziram; Fernando Diniz e Emygdio de Barros.

No Museu Bispo do Rosário é possível deparar-se com as lindas e instigantes obras criadas por Arthur Bispo do Rosário, seu tão renomado manto, estandartes, faixas de Miss, vitrines e trabalhos outros que traduzem sua ligação com a religiosidade e sua criação delirante, criadas durante grande parte de sua permanência do Manicômio Colônia Juliano Moreira

a_7

Durante 14 anos aproximadamente Arthur Bispo do Rosário permaneceu dentro de uma cela, depois de ter cumprido uma pena de 04 meses por mau comportamento. Permanecer enclausurado foi uma decisão tomada pelo próprio interno, para realizar seus trabalhos para a “missão” religiosa a qual foi designado.

a_8

Retorno a você leitor, a pergunta que Alfredo Zenon faz em seu livro “Psicanálise e Instituição- A Segunda Clínica de Lacan”- Qual Instituição Para o Sujeito Psicótico?  Um modelo de saúde mental que respeite o direito do homem ocupa a mesma posição de importância para a introdução do lugar do sujeito na clínica psiquiátrica. Sem se fazer valer dessas questões incorremos no risco de um discurso exclusivo, marginalizante, cruel e extremamente abusivo, que desconsidera as questões do sujeito. Entretanto, a instituição precisa se preocupar em não se tornar um lugar de alienação desse sujeito, que queira permanecer nela para simplesmente se proteger do mundo ou que se torne dependente desta instituição pelo medo de se sentir rejeitado ou mal compreendido. O acolhimento institucional é importante, mas ela, a instituição, precisa secretariá-lo na condução de sua vida social, de forma que esse paciente encontre uma forma saudável ou menos traumatizante de elaborar suas questões e se sinta parte de um grupo, respeitado apesar de suas diferenças, e não relegado ou deixado ao abandono.
a_9
Dar vazão as suas emoções através da arte como puderam experimentar os pacientes da Dra. Nise da Silveira, que tiveram dela todo o apoio e que lutou desesperadamente a favor de uma releitura no trato com pacientes psicóticos, é certamente um viés muito saudável para esse paciente escoar sua energia e poder manter então a tensão do aparelho psíquico num nível mais baixo evitando o desprazer.

Arthur Bispo do Rosário não teve a mesma sorte, se é que podemos assim dizer, de ter ao seu lado uma médica psiquiátrica visionária que pudesse lhe secretariar; mas encontrou nos seus “trabalhos”, como ele mesmo nomeou suas obras de arte, uma forma de simbolizar o real e que o manteve de alguma forma estruturado. É exatamente disso que se trata a construção delirante da psicose, um trabalho constante para tentar dar conta dessa invasão, da intrusão do Gozo do Outro.

À esquerda, o que o Bispo do Rosário nomeou “Faixas de Miss”, onde além da riqueza dos detalhes e cores, apresentava vasta informação sobre cada país a qual ele se referia. À direita, uma forma de etiquetar, rotular toda a sua produção nomeando cada um de seus trabalhos.

À esquerda, o que o Bispo do Rosário nomeou “Faixas de Miss”, onde além da riqueza dos detalhes e cores, apresentava vasta informação sobre cada país a qual ele se referia. À direita, uma forma de etiquetar, rotular toda a sua produção nomeando cada um de seus trabalhos.

Escrito por: Andréa Pinheiro Bonfante- Professora, Psicopedagoga e Psicanalista.

Pós graduanda em Teoria Psicanalítica na Universidade Veiga de Almeida- Rio de Janeiro-RJ;

Pós graduada em Psicopedagogia pela Universidade Estácio de Sá- São Paulo-SP;

Graduada em Letras pela UNIG-Nova Iguaçu-RJ;

Palestrante de temas escolares e familiares.

BIBLIOGRAFIA:

*ZENONI, Alfredo . Qual Instituição para o Sujeito Psicótico?. Abrecampos – Ano1. Junho, 2000.

*____________ O Conceito de Sujeito. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2004.

*____________ O Sujeito demasiado Visível do Autismo. Trabalho apresentado na I JORNADA CLÍNICA DA SEDE RIO DO LAEP, O Autismo Tratado pela Clínica psicanalítica. Museu da República (Palácio do Catete), Rio de Janeiro, 2004.

*FREUD, Sigmund. Neurose e Psicose. In Edições Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

*________________ A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose. In Edições Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

*_______________ Seminário. Livro 3. As Psicoses. Rio de Janeiro, Zahar, 1998.

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

Salvar

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here