O grande músico e pessoa melhor ainda, Cláudio Morgado, conheço há décadas. Tive o grande prazer de ouvi-lo desde os “Dois Tempos”. Na época, lá pelos idos de 87, eu e minha turma do “Apoio Mútuo” começávamos a ter contato com a música e “Dois Tempos” era uma daquelas bandas que nos davam motivação pra continuar treinando, tipo: “Um dia chegamos lá!”.

Morgado sempre foi antenado em tudo o que rolava de tecnologia e isso me fascinava. Uma vez conversando com um outro grande amigo, Pedro Carvalho de Souza, outro fera que merece uma entrevista aqui, ele me confidenciou que o Morgado comprava revistas importadas de música para poder estudar e na mesma hora, tipo Arquimedes de Siracusa gritei mentalmente: “Eureka!, taí porque que o cara é fera em inglês também!”, pensei. Não sei se dali surgiu minha fissura por revistas especializadas de música, credito isso mais ao Pedrinho que me apresentou alguns exemplares da “Toque Pra Quem Toca”, só sei que dali pra frente desde as edições mais antigas da “On & Off” às recentes revistas digitais como a “Violão+” do grande Stelzer, não parei mais. Um dia dôo essa coleção toda pra alguma escola séria de música, para que sirva de material de pesquisa pros alunos.

Em outra época tive a chance de fazer aulas de teoria musical com o pai do Morgado, seu João, que era saxofonista e depois de muito ser abordado por mim na rua me perguntou se queria saber mais sobre tudo aquilo que perguntava. Nesta época, Morgado já trabalhava também com gravações e me lembro de ter gravado uma de minhas músicas com ele produzindo tudo.

Morgado é um músico multifacetado, uma das características que considero mais importantes para os nossos dias. Vi muitos excelentes músicos de bandas de baile não conseguirem se adequar a uma nova imposição do mercado musical, seja de estilos musicais ou mesmo do avanço da tecnologia, e por isso a perda de mercado é inevitável, afetando muitas vezes a vida financeira destes. No caso do Morgado, houve épocas em que as bandas de baile estavam no auge na cidade e ele soube aproveitar muito bem disso. Entraram épocas em que os trabalhos em casas noturnas passaram a ser mais interessantes e paralelo a isso a redução de músicos por conta de espaço e cachê fez com que quem dominasse a tecnologia com baterias eletrônicas e teclados se apresentasse sozinho ou com número reduzido de músicos e tivesse mais oportunidades. Morgado soube aproveitar disso também. Hoje, vários músicos da cidade fazem trabalhos “freela”, onde a versatilidade novamente entra em ação e aquele que é capaz de acompanhar cantores e bandas é muito requisitado. Alguns músicos mais novos talvez conheçam o trabalho de Cláudio Morgado daí, mas é bom saber que mais uma vez podemos ver a qualidade do trabalho dele abrilhantando o de outros feras que despontam. Como numa apresentação, quando o cantor vira para trás e apresenta seus músicos, assim pego emprestado a frase e faço agora: “… com vocês: O multifacetado, Cláudio Morgado!”.

01 – Qual a influência que seu pai, o saxofonista João Antonio de Oliveira Souza, exerceu no seu aprendizado musical? Podemos dizer que seu interesse por música veio de berço?

A influência foi grande, sim. No tempo em que a TV não era tão dominante, quase todos os dias depois do jantar tinha uma sessão de música na “vitrola”: Doris Day, big bands e instrumentistas de cujo nome não me lembro, cantores nacionais e internacionais, e os discos de minha irmã: Roberto Carlos, Chico Buarque e por aí vai. Também ia a

uma “jam session” que acontecia aos domingos de manhã na casa do Zeca, no Torres Homem, e às vezes quando ele tocava domingo à noite no Clube dos Fenianos (claro que nesta época ainda não tocava, só ficava olhando de boca aberta…). Ou seja, era muita música!

02 – Para os que nasceram na geração Y e Z, com fácil acesso à internet, entender o que era estudar música na geração X não é algo fácil. Você sempre trabalhou com programações musicais, efeitos, baterias eletrônicas, etc… Onde você buscava informações para trabalhar com essas tecnologias antes do boom da internet?

Em 1984, acho, formamos o Grupo 2 Tempos, no qual tocava um teclado Casio com bateria eletrônica (tipo tic-tac-tun-dun-dun, nada sofisticado). Depois fomos trocando por teclados mais sofisticados, até que o Ricardo Parente, amigo que hoje mora na Flórida, USA, me conseguiu lá um sampler/sequenciador Ensoniq SP-16, que tenho até hoje, no qual aprendi a criar música eletrônica. Foi um salto de qualidade!E comprava em São Paulo, onde trabalhava, revistas internacionais nas quais acompanhava o que rolava no mundo da música digital e absorvia o que podia.

03 – Você acredita que a música interferiu no interesse de uma formação superior como tecnólogo em processamento de dados e que esta formação, como conseqüência, pode ser hoje um dos elementos que acrescenta um diferencial na sua música?

Na realidade foi o contrário. Já mexia com computadores pessoais desde 1982-83, aprendendo computação. Como os sequenciadores da época eram bem parecidos com os computadores (você realmente “programava” a sequência…), para mim foi a união de duas habilidades com que sempre trabalhei.

04 – O “Dois Tempos” foi seu primeiro grupo musical? Conte-nos um pouco sobre sua trajetória musical?

Comecei em 1972, 1973 no grupo “Os Faisões”, do Paulo Maury da Costa; depois fiquei alguns anos no Windsor (de Barra do Piraí), no qual excursionei pelo Sudeste e Nordeste quatro vezes; foi uma grande escola para mim. Depois, em 1979, fui para o Grupo Vanguarda, de Além Paraíba, MG, onde também aprendi muito, eram músicos sensacionais. Após uma pausa, em 1984 formamos o Dois Tempos, que durou até 1989. E daí para a frente comecei uma “carreira solo”, junto com meus amigos japoneses e americanos da Korg, Roland, Ensoniq, Alesis, etc. Tendo vindo de um “background” de banda de baile, sempre gostei de tocar junto com um som mais completo, e então produzia meus próprios “playbacks”. E não posso deixar de lembrar duas parcerias: a que tive durante 5 anos com a excelente cantora Sheila Mell, que foram os anos em que mais me diverti fazendo música, quase todo fim de semana no Vilarejo Hotel, e a honra que foi e continua sendo tocar com The Black Bullets.

05 – Você cursou alguma escola de música ou teve aulas particulares?

Sou o que se pode chamar de autodidata, e sanguessuga: aprendi sozinho muita coisa e o resto “suguei” dos colegas e músicos mais avançados com quem tocava. Atualmente sinto falta de uma formação mais forte em certos aspectos. Por exemplo, gostaria de ler música com fluência – sei escrever e interpretar uma partitura, mas nada que me

permita abrir uma e sair tocando… Mas continuo, como todos nós, em constante aprendizado.

06 – Qual sua visão sobre a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas?

Vai depender da definição de “ensino de música”. O ideal poderia ser uma introdução à apreciação musical, conhecimento de vários estilos, os fundamentos, e eventualmente o ensino de instrumentos musicais, da maneira mais diversa possível. Mas se for comprar um monte de violões e ensinar um ou outro a fazer acordes, aí acho uma malversação do parco dinheiro público…

07 – Você acha importante a formação acadêmica na área musical?

Se ela for dada a uma pessoa que foi mordida pela mosca azul da música, é uma ótima ferramenta, já que o professor terá a base teórica aliada à paixão de ensinar algo que ele mesmo ama e a que se dedica. Não acho legal se for só uma exigência burocrática.

08 – Você participou de vários grupos musicais no decorrer de sua carreira, com estilos e objetivos musicais diversos. Acredita que essa versatilidade musical, adquirida ao longo dos anos, afeta sua abordagem ao ser chamado para um trabalho musical hoje?

Sim, acredito. Tenho orgulho em poder transitar do rock ao pop, passando pelo brega, forró, samba, pagode, etc. Quando sou convidado para um trabalho, procuro colocar o “chapéu” do seu estilo, mas sempre procuro agregar algo que tenha de outras áreas musicais, e principalmente aprender com aqueles com quem toco.

09 – O que você considera necessário para que se tenha êxito na vida musical? Que conselhos daria se um filho pretendesse viver de música? Existe essa possibilidade em Valença?

Aprenda os fundamentos, não só do instrumento que pretende tocar, mas de tudo o mais que puder. Se for vocalista ou baterista, aprenda também um instrumento de harmonia, vai abrir seus horizontes de uma maneira incrível! Tenha seu estilo, mas não fique escravo dele, toque de tudo – provavelmente é o que seu ídolo faz também. Trabalhe muito, nada vem facilmente; a banda que “estourou” semana passada já está na estrada há anos. Lembro-me que em 1979, tocando no Vanguarda, depois de fazer o show em um exposição agropecuária no norte fluminense, fui a um baile no clube da cidade, menor que o salão do Democráticos. Pois bem, lá tinha uma ótima banda de baile chamada OS FAMKS, ralando de 11 às 4; nada mais nada menos do que o grupo que depois se tornaria o Roupa Nova…

Viver de música “só em Valença” não dá, o artista tem que ir onde o povo está (alguém já disse isso, não é?). Mas tendo Valença como base e berço, sim, dá.

10 – Numa retrospectiva dos momentos musicais que viveu, lembrando de bandas, músicos, shows, lugares… Que momento foi marcante?

Subir sozinho no palco no Central, em Barra do Piraí, para abrir o show de Emílio Santiago! Que responsabilidade… A abertura do show do Celebrare no ano passado,

no Democráticos, também foi incrível, o mais perto que me senti de ser uma celebridade…

11 – Você tem trabalhos autorais?

Compus uma ou duas músicas, só, que graças a Deus se perderam no tempo… Mas gosto muito de fazer arranjos, de ajudar a burilar e dar roupagens às criações de meus amigos. Sou mais um operário da música do que propriamente um arquiteto.

12 – Como você enxerga o atual cenário musical valenciano?

Com entusiasmo! Várias escolas de alto nível, ótimos instrutores independentes, bandas e artistas de todos os estilos, e até onde sei, uma grande integração entre tudo isso. Lugar para tocar e cachê sempre serão um problema, né? Mas estamos muito bem, pode ter certeza. As cidades da região (exceto talvez Volta Redonda, mas aí é covardia) nos olham com admiração e uma pontinha de inveja…

13 – Por fim, o que o público pode esperar de Cláudio Morgado? Quais os projetos que estão em andamento?

No momento estou terminando um “home studio”, já operacional, para possibilitar àqueles que pretendem gravar os seus trabalhos ou fazer uma fita demo mas que não dispõem de um grande orçamento, o acesso a um estúdio, uma produção um pouco mais esmerada (embora, claro, não no nível dos grandes estúdios), ajuda com arranjos instrumentação, etc. Já temos feito trabalhos que me deixam (e aos artistas) muito entusiasmados.

Sonho de consumo? Uma banda de flashback ao estilo Celebrare, menos a pompa… Um grupo de músicos simplesmente revivendo o que há de bom na música pop (o rock não precisa, já está muito bem representado em Valença!) dos anos 60, 70, 80, 90…

Em nossas entrevistas, não nos responsabilizamos por conceitos, opiniões manifestadas ou citações de terceiros incluídos nas respostas de nossos entrevistados.

2 COMENTÁRIOS

  1. O conheci como programador e professor, alem de na época ser usuária do programa (excelente) comparado ate à empresas internacionais, ele é um intelecto que tem a sensibilidade de adaptar o coletivo as suas necessidades individuais. Como professor, sempre houvi muitos elogios, principalmente pelo carisma, paciência e interação. A dois anos tive o prazer de trabalhar junto com este mestre, que é um conjunto de talento, professor, simpatia e sabedoria. Claudio, embora não tenha comentado sobre a reportagem, estou muito feliz por você, isso é uma forma de todos te conhecerem um pouquinho como nos! Parabéns pelo talento, historia, família e amigo que é! Já estamos esperando pela estreia da banda… para aplaudirmos de pé!

    • Obrigado pelo comentário, Bruna! Devo dizer que está corretíssima, Claúdio Morgado é um querido e faz com excelência tudo o que se prontifica a fazer.

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