“Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal, e fazer tudo igual… eu do meu lado aprendendo a ser louco, maluco total, na loucura real… controlando a minha maluquez, misturada com minha lucidez […]”

(Música: Maluco Beleza – Raul Seixas)

Iniciamos o presente texto com a letra da música acima, para tentar mostrar o quanto um simples personagem vivenciou os versos de Raul Seixas.

As dificuldades e desafios, demonstrados com o drama de Neto, um jovem brasileiro de classe média de São Paulo, que ao passar pela crise da adolescência, busca calar seus conflitos internos e seus problemas familiares com o uso indiscriminado de maconha.

O brilhante filme de Laís Bodanzky, lançado no Brasil em 2000, foi inspirado nos fatos reais ocorridos com Austregésilo Carrano Bueno e narrados em seu livro “Canto dos Malditos”. O filme conta com um grande elenco, tendo como atores principais Rodrigo Santoro (Neto), Othon Bastos e Cássia Kiss (pais de Neto) além dos atores Jairo Mattos, Caco Ciocler, Luis Miranda, Valéria Alencar, Gero Camilo e Marcos Cesana.

No filme, o jovem Neto, ainda na fase de sua crise da adolescência, conhece o mundo das drogas, tornando-se arredio com os pais e também agressivo.

Por sua vez, por falta de tato em lidar com o próprio filho caçula da família, os pais de Neto começam a se impor de forma dura e pouco educadora. Tal fato se agrava ao ser descoberto pelo pai de Neto um cigarro de maconha que teria caído de seu bolso após uma discussão entre ambos.

Apavorado, o pai de Neto usa de uma medida drástica para resolver o problema das drogas de seu filho: internação compulsória.

Num bem bolado estratagema, ilude Neto convidando-o para acompanhá-lo em uma visita a um amigo, o que o rapaz atende prontamente, por não saber estar sendo levado para uma clínica psiquiátrica e de tratamento de dependência química.

Internado a força, Neto é medicalizado o tempo todo para que se torne dócil e pare de questionar os procedimentos terapêuticos que estão sendo adotados contra sua vontade. Mesmo sem um acompanhamento médico que fosse realmente eficaz, Neto é constantemente drogado, chegando a ser submetido a tratamento de eletrochoque por ter tentado fugir quando lhe surge a oportunidade.

Após algum tempo de internação, Neto retorna a sociedade e, como era de se esperar, tal descaso nos cuidados de sua saúde mental, tornaram Neto uma sombra perto do que havia sido antes da internação.

Completamente abatido, apático e vivenciando inúmeros problemas de adaptação, Neto começa a procurar a bebida e baladas por não ser compreendido por seus familiares em seu transtorno. Frisamos que tal transtorno poderia até existir em Neto, o que não conseguimos identificar antes, mas que se agravou, ou mesmo foi gerado, por um ato de covardia praticado contra ele por profissionais mercenários, que só visavam maiores repasses de verbas do governo, mesmo que isso significasse aumento nos números de internos, sãos ou doentes, tanto faz.

Além do consumo de álcool e de sua inadaptação ao convívio social, Neto se vê impotente sexual em uma das cenas do filme, o que gera nele um surto, fazendo com que quebre vidros e se auto-lesione no banheiro de uma boate. De novo Neto é trancado dentro de um hospício que irá, mas uma vez, com sua estrutura de horror, gerar danos irreversíveis a este nosso pobre herói.

Ao fim da história, vemos Neto saindo do hospício e voltando para a sociedade, como também vemos seus pais sofrerem por não terem compreendido a tempo que a melhor opção para Neto não seria uma internação em uma clínica psiquiátrica.

Voltando, neste momento, a música que utilizamos no início de nossa apreciação desse filme, fazemos um paralelo com o mesmo e pensamos quantas formas subjetivas de ser existem e que são tidas como “loucura”, levando inúmeras criaturas a serem trancafiadas em manicômios, tal como ocorreu com Neto.

Nossa sociedade disciplinadora atribui valores e comportamentos a todos, excluindo os que não se enquadram dentro de suas diretrizes de normalidade. A estes é dada a alcunha de “loucos”. Mas o que será realmente loucura? Viver dentro de padrões pré-estabelecidos como “normais”, mesmo que eles violentem nossa forma de ser? Ou será ser autêntico e sincero com suas próprias posturas, idéias e conteúdos?

Inegável a existência dos transtornos mentais e das consequências de determinadas escolhas para o indivíduo, tal como a opção pelas drogas. Mas daí a afirmar que qualquer comportamento ou forma de extravasamento do nosso mundo interno sejam “loucuras”, vai um caminho imenso.

Quantos artistas e quantos gênios da humanidade deveriam ter sido jogados para sempre dentro das fábricas de loucos (os manicômios), somente por serem diferentes da caveira comum? Quantos não foram queimados na época da Santa Inquisição por serem considerados “demoníacos” ou “bruxos”, simplesmente por estarem em desacordo com as normas de submissão impostas pela sociedade  à época comandada pela Igreja Católica?

No filme, Neto é apenas um rapaz que difere do modo de ser de sua família nuclear, procurando encontrar a própria identidade, às vezes de forma arriscada, com comportamentos perigosos. Não era um portador de transtorno mental, mas apenas um “maluco beleza” que preferia controlar a própria vida com um pouco de loucura mesclada a sua lucidez.

A trama coloca em cheque-mate a questão das internações compulsórias, pois mostra o quanto podem ser equivocadas e despropositadas. É na sensibilidade de um filme como esse que criamos a empatia com os ditos “loucos” que vivem condições desumanas, atrás de muros que encobrem a vergonha de uma sociedade que não conseguiu aprender, ainda, a lidar com os diferentes.

Negar a necessidade de internação em casos extremos não é nosso objetivo ao fim deste texto. Apenas chegamos à conclusão de que, internação é um recurso extremo, que deve ser muito bem pensada e acompanhada por equipes compromissadas com o bem estar físico, mental e emocional desses seres humanos que perderam, momentaneamente, o juízo crítico sobre suas próprias vidas. Tratar com dignidade e humanidade, conferindo a eles o status de cidadãos com direitos, deve ser o afã de todos os que atuam no campo das ciências psíquicas.

Link para assistir ao filme “O Bicho de Sete Cabeças”:

https://www.youtube.com/watch?v=F6Yky54edpo

Autor:

Dr. Charles José da Silva – Psicólogo Clínico e Psicanalista – CRP: 05/47.134

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